Especial
Paulo Barriga
Nem sempre ser-se especial é assim tão extraordinário quanto isso. Especial é daqueles adjetivos tramados. Daqueles adjetivos que depende muito de quem os toma. De quem os fala. De quem os articula. Especial é um adjetivo tão amplo, tão aberto e, ao mesmo tempo, tão impeditivo que é de trazer as lágrimas aos olhos. É muito sadio ser-se especial como treinador de futebol num banco de suplentes ingleses. É muito pouco salutar ser-se especial como criança no banco de uma escola de Portugal. O nosso sistema de ensino é moderno. Pelo menos do ponto de vista teórico e legislativo. A escola reconhece a existência de meninos especiais. Já não é mau. Especial, no que toca ao ensino, é o adjetivo usado burocraticamente para substituir outros adjetivos tipo: estranho. Diferente. Invulgar. Incapaz. Inferior. Imperfeito. Deficiente, até. A escola reconhece, de facto, a existência de meninos especiais. Mas reconhece-os na sua essência menor. Ser-se especial é uma chatice. E ainda por cima é uma chatice que sai cara. Tanto faz que o especial decorra de uma mera confusão ao nível da hiperatividade. Ou de uma doença raríssima, pouco conhecida, sem diagnóstico. Em todo o mundo civilizado, há dezenas de décadas a esta parte, se chegou à conclusão que as crianças ditas especiais, com necessidades educativas especiais, deveriam ser integradas, sempre que possível, no ensino regular. É a tão pomposamente proclamada educação inclusiva. Uma educação humanista com recurso a técnicas e materiais próprios. Com integração de professores especialistas e de terapeutas, quando necessários. Com turmas pequenas, adequadas a cada situação. Em suma: uma educação especial para as crianças ditas especiais. Mas o que acontece, de facto, é que, nas escolas cá do sítio, não há terapeutas em quantidade suficiente, as turmas excedem em muito o número de alunos, há falta de especialistas e de auxiliares. E, especialidade das especialidades, o próprio Ministério da Educação e Ciência, à laia da burra, atribui uma espécie de quotas em número e género miseráveis a cada menino especial, no que toca à carga horária distintiva que cada um deve ter para crescer em harmonia com os demais. Tudo isto em nome do bom uso dos dinheiros públicos, da igualdade de oportunidades, do Portugal moderno e inclusivo. Tudo isto numa qualquer escola ao virar da esquina. Se isto é o ensino especial, imagine--se o que vai no ensino, diria, trivial.
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