Uma maneira de aquilatar a qualidade do nosso desempenho é compará-lo com o desempenho de outros. Isto parece óbvio. Parece porque, na verdade, estas comparações têm uma componente de utilidade na medida em que nos indicam qual efetividade dos nossos esforços face a determinadas metas mas, por outro lado, lançam a ideia que todos os que estamos na linha de partida só somos influenciados pelo nosso desempenho e não por fatores muitas vezes ocultos mas que são determinantes para o desempenho final.
Nos sistemas educativos desenvolveram-se nos últimos anos programas de avaliação transnacional do qual o mais conhecido e citado é o PISA (Programme for International Student Assessment) da responsabilidade da OCDE.
Passados 15 anos do seu lançamento este programa é objeto de uma sumária avaliação por parte do seu principal impulsionador Andreas Scheicher. Esta avaliação é de uma importância central para quem se preocupa com a delineação de políticas educacionais se pergunta o “como” e o “porquê” do desenvolvimento dos sistemas educativos. O comentário à avaliação do programa PISA não cabe no âmbito de um artigo de opinião com esta dimensão, mas gostaria de partilhar quatro comentários.
O PISA é, como o nome indica sobre “student assessment”, isto é sobre os resultados que os alunos de 15 anos conseguiram em certas matérias. Assim, os resultados do PISA têm a ver com a aprendizagem destas matérias e, quando muito, com a relação que têm com o trabalho dos professores. Diríamos que se trata de um programa que avalia os resultados do ensino e da aprendizagem a nível transnacional de alunos na faixa etária dos 15 anos. O certo é que cada vez mais se ouve citar as estatísticas e resultados do PISA para falar de Educação. Ora, estamos a falar de coisas diferentes. O “student assessment” é uma parte (importante e certamente decisiva) dos resultados da Educação, mas não é a única nem exclusiva. Dizer que um sistema educativo é melhor que outro só porque os alunos de um têm melhores resultados em Matemática ou Língua Materna é muito redutor. A Educação é mais do que isso: tem a ver com a possibilidade de adquirir atitudes, de entender de forma integrada o mundo, de saber ser cidadão, relacionar-se com os outros, participar socialmente, entender a cultura, etc. Estas competências que não estão incluídas na avaliação do PISA. Não confundamos portanto o PISA com Educação. Tem a ver com Educação mas não resume tudo o que a Educação implica.
A avaliação do PISA mostra-nos que o montante de dinheiro investido na Educação é menos importante do que como é gasto este dinheiro. Compara-se por exemplo países como a República Eslovaca e os Estados Unidos que gastando verbas muito diferentes conseguem resultados semelhantes. Será que este dado pode fundamentar a opinião que em países que reduziram o seu investimento na Educação (como por exemplo Portugal), esta redução não vai ter qualquer influência nos resultados dos alunos? Parece muito imprudente e mesmo injusto fazer uma afirmação deste teor. Vejamos: quais são os serviços que a Educação presta para além do ensino e da aprendizagem nestes países? Qual é o nível de satisfação dos docentes com a sua carreira? Qual é satisfação das famílias em relação ao sistema educativo de cada país? Quais são as oportunidades de apoio dadas a alunos com dificuldades? Enfim muitas perguntas que ficam por responder se só olharmos para os resultados do “student assessment”.
Contesta-se também, nesta avaliação, que a qualidade e a personalização do ensino tenham a ver com o tamanho das classes. Sabemos que isso é verdade: um professor pode dar uma aula “magistral” para cinco alunos e dar uma aula personalizada para trinta e cinco. O investimento para que o ensino possa ser personalizado depende como diz esta avaliação mais “de salários competitivos dos docentes, da formação contínua e de horários de trabalho equilibrados”. Muito bem. Mas, o que será que acontece quando se aumenta o número de alunos sem acautelar estes outros fatores que podem diminuir o impacto do aumento de alunos por turma? Parece óbvio que, se só se aumentar o número de alunos por turma sem outras medidas, só pode resultar em diminuição da qualidade dos resultados.
Esta avaliação traz-nos muitos pontos adicionais de reflexão, como por exemplo que a pobreza não é uma fatalidade e que estudantes de meios similares podem obter resultados escolares muito diferentes conforme a sua escola e o seu país. A avaliação destaca ainda a importância das expectativas positivas dos professores para o sucesso dos alunos. Para todos os alunos, mas mais ainda para os alunos que provém de meios menos favorecidos. A semana passada encontrei uma famosa professora universitária americana que, numa conferência, declarou que era oriunda de um meio muito pobre e degradado nos Estados Unidos e que estava ali porque uma professora da sua escola primária lhe disse: ”Eu acredito que tu podes ir até onde quiseres. Diz-me eu vou contigo”.
Precisamos de professores, de pais, de escolas e de comunidades que digam isto às crianças e aos jovens: “Acredito em ti. Conta comigo”. Precisamos de continuar a considerar o investimento em Educação fundamental. As escolas de hoje modelam as sociedades do futuro não só em conhecimentos e em humanidade. Precisamos ainda de apostar nos professores: professores desmotivados, submersos em burocracia, receosos da mudança, não são capazes de confiar nos seus alunos, não conseguem levá-los até onde eles querem ir.
A avaliação de programas transnacionais, como o PISA é uma excelente oportunidade para refletirmos sobre a Educação que temos e a Educação que queremos. E sobretudo levantar os olhos de quotidianos desencantados. Para o futuro.
Presidente da Pró – Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial, Conselheiro Nacional de Educação