sábado, 21 de setembro de 2013

INCLUSÃO, UM DESAFIO PARA AS CIDADES DO FUTURO...



Por razões de limitação de espaço o texto inicial foi revisto e adaptado às regras jornalísticas do Diário do Alentejo. Publicamos aqui o texto integral que pode interessar a todos aqueles que se interessam pela problemática da INCLUSÃO.
É necessário conhecer a história para se poder projectar o futuro. Espero ter contribuído para o conhecimento deste processo na nossa região.
Os nossos agradecimentos ao Diário do Alentejo.

As crianças com deficiência e o direito à escola
Texto 1

Pensar hoje na cidade de amanhã é, na actual conjuntura política, mais do que um exercício intelectual é um projecto para a acção.
A mudança está aí: nas ruas, nos grupos informais de cidadãos, nos movimentos cívicos a preparar  a apresentação de candidaturas independentes às autarquias.
Voltámos a reflectir sobre o que queremos para o nosso próprio futuro, para o futuro dos nossos filhos e para o futuro das nossas cidades, tranquilos que estávamos meros espectadores dos projectos partidários.
Ao nível autárquico voltou a hora de participarmos, quer individualmente, que colectivamente na procura de um projecto para os nossos concelhos. 
A promoção da cidadania e, mais concretamente da cidadania das pessoas com deficiência, é um tema que me é particularmente caro. A minha formação profissional e humana, assim como a minha experiência de vida fizeram desta temática motivo do meu interesse e de estudo.

Nos dois textos que vos apresento irei sintetizar e dar a conhecer alguns conceitos e práticas recentes que são susceptíveis de tornar as cidades mais inclusivas, os cidadãos mais participativos e que aplicados a uma cidade podem constituir um eixo estruturante de desenvolvimento.
O primeiro texto pretende fazer uma abordagem histórica do conceito de inclusão nas escolas públicas portuguesas e muito particularmente em Beja e concelhos limítrofes.
O segundo texto pretende reflectir como uma sociedade se pode tornar mais inclusiva, ultrapassando preconceitos, barreiras físicas e comunicacionais, ganhar uma nova dinâmica contribuindo seriamente para a melhoria da qualidade de vida de TODOS os cidadãos

As crianças com deficiência e o direito à escola.

Precisamente há 40 anos no Ministério da Educação, Veiga Simão, num assomo de modernidade, cria a Divisão do Ensino Especial o que contribui para a assunção de que a educação e o ensino de crianças e jovens com deficiência passariam para a esfera da educação e deixariam de pertencer à assistência ou de estarem ao abandono total.
Quebra-se, assim, um ciclo da história do nosso país no que diz respeito ao reconhecimento da cidadania do aluno com deficiência e inicia-se uma nova etapa, uma nova forma de olhar o outro. Até então a criança com deficiência ficava em casa “escondida” ou era “cuidada” em instituições com objectivos assistenciais. Na realidade, só as grandes cidades possuíam, na altura, algumas destas respostas e o número de crianças e jovens “assistidos” era diminuto. A grande maioria não tinha qualquer espécie de apoio. Estas crianças e jovens permaneciam em casa durante toda a vida e não eram objecto, nem eles nem as suas famílias, de qualquer espécie de protecção ou apoio. Estávamos em 1973.

Com o 25 de Abril de 1974 um forte movimento de pais, técnicos e uma administração pública cúmplice (central e local) permitiram que esse amplo movimento trouxesse à luz do dia as enormes carências na área e se criassem respostas educativas para a população com deficiência.
A tónica principal foi, sem dúvida, a da “integração”. Os alunos com deficiência visual, motora e auditiva foram os primeiros a ser integrados nas escolas públicas. As crianças e jovens com deficiência cognitiva beneficiaram, num primeiro tempo, das respostas apoiadas pelas cooperativas e associações de pais e técnicos que rapidamente se espalharam por todo o país. As Cercis têm origem nesses anos imediatos ao pós 25 de Abril de 1974 e representaram um papel muito importante no atendimento educativo a crianças e jovens com problemas cognitivos e outros.

Nestas quatro décadas, esta política sofreu recuos e avanços, mas nunca deixou de ser o principal objectivo das famílias, das pessoas com deficiência e dos técnicos deste país.

Volvida uma década – Beja é pioneira na “integração” e em experiências inovadoras inter-serviços.

Na zona sul, a Divisão do Ensino Especial desenvolveu no Alentejo e no Algarve um intenso trabalho de criação de diversas estruturas não só de apoio mas também de diagnóstico e encaminhamento, bem como na área da formação de professores.
Referindo-me apenas a Beja e concelhos limítrofes a CERCIBEJA foi a primeira estrutura de apoio a ser criada, seguiu-se a criação da Equipa de Ensino Integrado (E.E.I.), o Centro de Paralisia Cerebral (C.P.C.), a escola de apoio a alunos com Deficiência Auditiva. Além de Beja, Serpa e Aljustrel são alguns dos concelhos em que, mercê de uma articulação inter-serviços, se desenvolvem uma série de respostas educativas inovadoras que vão ser objecto de estudo e de referências muito positivas de técnicos da OCDE. Entretanto, pais organizados em cooperativas lutam e conseguem erguer outras respostas, o caso de CERCICOA (Almodôvar, Ourique e Castro Verde) e mais tarde ainda a APPACDM de Moura.

Foi elaborado o diagnóstico da situação escolar no concelho de Aljustrel e Serpa que levou à criação das primeiras Salas de Apoio integradas (S.A.) a alunos com necessidades educativas especiais (n.e.e.). Estiveram envolvidos neste estudo a Administração Regional de Saúde (A.R.S.), os Centros de Saúde, os Concelhos Escolares locais e a Divisão do Ensino Especial (D.E.E.). Constitui-se uma equipa de diagnóstico e encaminhamento escolar a nível do concelho de Beja envolvendo novamente a A.R.S,. a D.E.E., a equipa de Ensino Especial (E:E.E.). Em todos estes trabalhos foi decisivo a colaboração das autarquias. A introdução de temáticas específicas do apoio à população com deficiência no currículo da Formação Inicial de Educadoras de Infância e dos Professores, em colaboração com a Escola do Magistério Primário de Beja, reflectiu-se no aumento do número de crianças apoiadas, graças à mudança de atitude dos profissionais face à inclusão. Nunca será demais referir o carácter de colaboração e partilha de recursos humanos e materiais dos serviços locais e regionais que, elaboraram estudos, levantamentos e propuseram respostas educativas tendo em conta as realidades locais objectivas sem que toda esta actividade correspondesse a um aumento da despesa dessas instituições.

Em Junho de 1985, Beja apresenta-se no Terceiro Encontro de Educação Especial em Lisboa com cinco intervenções fazendo eco da situação atrás descrita. As comunicações envolveram relatos de diversos serviços e instituições, nomeadamente serviços de saúde, educação, segurança social, saúde mental, Magistério Primário e o Centro de Paralisia Cerebral. Vivia-se um ambiente de intenso trabalho de partilha e de procura de soluções no que diz respeito ao diagnóstico dos alunos com deficiência e na procura de soluções.

Duas décadas volvidas – a Declaração de Salamanca, um marco internacional importante para a Educação Inclusiva.

Em 1994, a Declaração de Salamanca, organizada pelo Governo de Espanha em cooperação com a UNESCO, elaborou o texto pelo qual todos nós, técnicos e pais, esperávamos. Os documentos que compõem esta Declaração são inspirados pelo princípio da inclusão e pelo reconhecimento da necessidade de actuar com o objectivo de conseguir “escolas para todos” instituições que incluam todas as pessoas, aceitem as diferenças, apoiem a aprendizagem e respondam às necessidades individuais dos alunos. A Declaração define os princípios, a política e as práticas na área das necessidades educativas especiais (n.e.e.) e indica um enquadramento para a acção.
Este documento foi um importante guia para a promoção e defesa da educação inclusiva e os Estados vieram progressivamente a legislar no sentido proposto na Declaração de Salamanca. Assim as nossas escolas foram progressivamente adoptando estas medidas.

A actual situação da Educação vem colocar em perigo todas estas conquistas assim como muitas outras medidas já anteriormente adoptadas facilitadoras da inclusão. De novo pais, educadores e alunos com deficiência, assim como a sociedade em geral tem motivos de preocupação pois, o que se antevê com a diminuição de recursos e meios materiais e humanos para as escolas, só podem colocar mais uma vez em causa os princípios e a prática da inclusão.


Quarenta anos depois...

Quarenta anos depois do início do serviço de educação especial, em 1973, podemos dizer que todos os alunos desta geração conviveram na escola, durante vários anos, com crianças e jovens com deficiência e que estes tiveram pela primeira vez na história do nosso país, o direito de partilhar além de espaços escolares comuns, momentos de convívio e de estudo. Turmas heterogéneas, em que os alunos podem conviver com as diferenças e aprender a respeitá-las, são uma aprendizagem para a vida. Utilizam-se métodos de ensino mais abrangentes, mais focados no potencial de cada um. A diversificação dos percursos de educação e formação e a introdução das novas tecnologias são instrumentos facilitadores da inclusão.

Hoje, Beja e concelhos limítrofes, dispõe de um conjunto de estruturas e respostas educativas que abrange um número considerável de alunos e adultos com deficiência em projectos diversificados. Além da CerciBeja, Cercicôa a APPCDM de Moura funciona também o Centro de Paralisia Cerebral (C.P.C.). Estas instituições mantem valências diferenciadas e o C.P.C., mercê de um acordo com a saúde, faz o diagnóstico e acompanhamento de crianças e jovens altamente especializado. Todas estas instituições oferecem respostas muito diversas e específicas e algumas delas possuem lares.

Dependentes do Ministério da Educação e funcionando nas escolas encontramos estruturas para alunos com multideficiência (Unidades) nas escolas de Santiago Maior e Mário Beirão, sendo que algumas destas respostas recebem também alunos com baixa visão associada. Aljustrel, Ferreira e Moura também dispõem de Unidades para alunos com Multideficiência. Algumas destas Unidades dispõem de apoio especializado em autismo devidamente equipadas. O apoio a alunos com deficiência auditiva é uma realidade e é praticada em algumas escolas da cidade de Beja. O Centro de Recursos para a Inclusão (CRI) funciona na Escola Mário Beirão e dá apoio técnico e especializado às respostas educativas no terreno. Também a Intervenção Precoce é uma realidade e envolve vários serviços e ministérios, apoiando crianças desde o nascimento.

O Instituto Politécnico de Beja mantém, desde 1999, um acordo com o C.P.C. que tem permitido desenvolver “o estudo e desenvolvimento de soluções tecnológicas para apoio a pessoas com necessidades especiais”(1), particularmente “sistemas de apoio a pessoas com dificuldades de comunicação (Sistemas de Comunicação Aumentativa e Alternativa)”(1)

Existem pólos de associações de pessoas com deficiência nomeadamente a Associação Portuguesa de Deficientes e de pessoas com deficiência auditiva. A recente associação “Habilitar Alentejo” vem preencher uma lacuna na promoção da ocupação dos tempos livres e do período das férias numa perspectiva inclusiva, prestando ou podendo vir a prestar um valioso apoio às famílias e às crianças e jovens.

Toda esta actividade envolve centenas de pais, professores médicos e outros técnicos, assistentes sociais, psicólogos, terapeutas (da fala, fisioterapeutas, ocupacionais e da psicomotricidade), tradutores de língua gestual e muitos outros profissionais que acompanham o dia-a-dia das crianças e jovens com deficiência.

As instituições e as escolas promovem actividades que envolvem a comunidade no sentido de dar a conhecer os seus projectos inclusivos: exposições, debates, apresentações públicas, seminários, etc.

Adultos, pais, professores, restantes educadores habituaram-se a que, pelo menos, neste espaço restrito que é a escola coexistisse um esforço de adaptação quer em termos de acessibilidades, quer em termos de comunicação global para receber com dignidade os novos alunos. Foi um longo caminho e hoje, senão fosse o retrocesso que a escola pública esta a enfrentar, diríamos que se poderia assim garantir uma escola para todos.

Mas se na escola pública se cumpriu a cidadania promovendo a inclusão, o mesmo não se pode dizer noutras áreas da vida social e cultural, nem tão pouco noutros ministérios, e isso é evidente na formação profissional, no emprego, nas acessibilidades (dimensões estruturantes de uma cidadania plena). O acesso a ajudas técnicas, o desenvolvimento e aplicação das novas tecnologias como facilitadores da comunicação ainda não estão completamente assegurados. A criação de serviços mediadores e facilitadores de acesso aos serviços e aos bens culturais, de lazer e de desporto estão longe de ser uma realidade.

A participação plena e efectiva na sociedade da pessoa com deficiência, em igualdade de condições com os outros cidadãos tem um longo caminho a percorrerem.

Uma cidade inclusiva não é uma utopia, é um direito para uns e uma dever para a sociedade.


No próximo texto tentaremos abordar genericamente algumas obstáculos físicos e comunicacionais muito comuns na nossa sociedade e como estes constituem num entrave à inclusão.

(1)
Luís Garcia, CV resumido

José R.R.Janeiro

Terapeuta da psicomotricidade

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