“Tomo cerca de 12 comprimidos por dia para evitar ficar demasiado deprimido”, escreve
Andrew Solomon. “Nas últimas fases da escrita deste livro, tive ataques de pânico e de solidão. Não eram sintomas depressivos, mas por vezes escrevia uma página e tinha de me ir deitar durante meia hora para recuperar das palavras que tinha escrito. Por vezes, chorava; por vezes, ficava ansioso e passava um ou dois dias na cama.” No fim, o seu
O Demónio da Depressão — Um Atlas da Doença, que chega a Portugal 15 anos depois de ter sido publicado pela primeira vez nos Estados Unidos, foi vencedor do National Book Award e finalista do Pulitzer. Está traduzido em 24 línguas, do chinês ao turco.
Ao longo de cerca de 800 páginas (mais de 150 são bibliografia e notas),
Solomon cita dezenas de entrevistas a médicos, terapeutas e investigadores. Revela testemunhos, na primeira pessoa, de doentes — homens e mulheres com carreiras, mães e pais de família, assistentes sociais, professores, indigentes. “A depressão não tem fronteiras sociais, mas os tratamentos da depressão têm-nas. Isso significa que a maioria das pessoas que são pobres e deprimidas se mantêm pobres e deprimidas”, escreve.
Alguns dos entrevistados escondem a depressão da família, dos maridos, das mulheres (“Pensariam que sou fraco”, disse-lhe um homem que atingiu um enorme sucesso profissional, apesar da doença). Outros somam internamentos em hospitais psiquiátricos. Tentativas de suicídio.
Passam-se em revista estudos e estatísticas — a edição portuguesa, da Quetzal, nas livrarias desde sexta-feira, inclui um capítulo onde o autor faz uma actualização do estado da arte até 2015. E os números são gigantes. Explica o escritor, membro do conselho consultivo do Columbia Medical Center: “A depressão é a principal causa de incapacidade nos EUA e no mundo em pessoas com mais de cinco anos.” Cerca de 15% das pessoas deprimidas acabarão por se suicidar.
A doença ocorre em idades cada vez mais jovens, “surgindo pela primeira vez quando as suas vítimas têm em média 26 anos, dez anos mais cedo do que na geração anterior”.
Em Portugal, o último Inquérito Nacional de Saúde, feito pelo Instituto Nacional de Estatística, em colaboração com o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, concluiu que 25,4% da população residente com 15 ou mais anos tinha, em 2014, sintomas de depressão.
Actualmente, “é tratável; tomam-se antidepressivos como se fazem radiações para o cancro”. Por vezes, “obtêm-se resultados milagrosos, mas nunca é fácil e os resultados são inconsistentes”.
O fio condutor do livro é a experiência do autor, hoje com 52 anos, a sua própria depressão, as melhoras e as crises (a primeira aconteceu há 20 anos, quando a vida parecia correr bem), a terapia (“não vá a um terapeuta de quem não goste”, aconselha ele, que chegou a tentar 11, em seis semanas, até acertar), os métodos alternativos, das massagens aos chás, e os medicamentos — não se imagina sem medicamentos como não se imagina sem comer ou sem dormir. “A depressão é uma falha do cérebro e, se o nosso cortisol [conhecida como a hormona do stress] está fora de controlo, temos de tratar disso.”
Perguntam-lhe muitas vezes quando deixa de tomar remédios. “Mas parece estar perfeitamente bem!”, dizem-lhe. “A isso respondo invariavelmente que pareço estar bem porque estou bem e que estou bem em parte graças aos medicamentos.” Mas “é horrível estar assim dependente”, insistem. Para ele, seria pior o regresso do “inferno”, não comer, não dormir, não se mexer.
“Nunca trataríamos a diabetes ou a hipertensão de forma descontínua; porque haveremos de o fazer com a depressão? De onde vem esta estranha pressão social? Esta doença tem um rácio de recaída de 80% num ano sem medicação”, diz John Greden, director do primeiro centro nacional para a depressão que abriu nos EUA (na Universidade de Michigan), em 2006, numa entrevista a Solomon.
O escritor prossegue: “Se nos mostrarem a imagem de um cérebro deprimido (colorido para indicar as taxas de metabolismo) ao lado da imagem de um cérebro normal (colorido de forma semelhante), o efeito é extraordinário: as pessoas deprimidas têm o cérebro cinzento e as pessoas felizes têm um cérebro em Technicolor. A diferença tanto é perturbadora quanto tem um ar científico, e apesar de ser totalmente artificial (as cores reflectem as técnicas da imagiologia e não cores reais), essas imagens valem mais que mil palavras e tendem a convencer as pessoas de que necessitam de tratamento imediato.”